Vou te contar a história de
Zé. Na verdade seu nome de fato não é Zé, nem José, mas virou “Zé”.
O cara não era bem visto nem
bem quisto na cidade onde morou a vida toda, desde criança, ainda mesmo quando
tava no ventre da mãe dele.
A questão é que o ser humano
é preconceituoso na sua maioria, poucos não guardam preconceito.
Seu pai o Joalson largou da
Mariângela para se casar com Alcinda, sim a Alcindinha. Chamavam-na Dinha
porque Cindinha, diziam, não era legal. Na verdade Alcinda não era.
Mariângela inconformada com
o abandono de Joalson, resolveu amaldiçoa-lo, tamanha era sua contrariedade.
Isso pelo menos é o que rola
na boca do povo da cidade.
Amaldiçoou o pai e a praga
pegou no Zé.
Quando a criança nasceu,
enquanto todo bebê recém nascido ganha muitos elogios, como, “menino lindo,
puxou o pai”, “nossa que criança mais bonita, parece com a mãe”.
Ele porém, não, claro. Sua
tia ao vê-lo ainda no hospital disse, “tem cara de joelho”.
Muitos que foram visitar a
mãe na maternidade fizeram careta, torceram os olhos e não disseram palavra,
mas dona Dinha percebeu os olhares.
Os mais abusados, amigos do
pai disseram “Que Zé é esse Joalson”?
Não que ele fosse feio,
muito pelo contrário, era uma criança bonita.
Quando foi crescendo e
passeava com sua mãe, as pessoas chegavam a atravessar a rua para não cruzar
com o menino.
Ficou na escola, estudou e
se formou apesar do bullyng que sofreu durante toda vida acadêmica.
Verdade é que o bullyng o
acompanhou a vida inteira, pelo menos até o dia que tudo mudou.
Ainda na escola tinha que se
assentar num canto da sala e as outras crianças ficavam do lado oposto e até a
mesa da professora ficava doutro lado.
Os empregos que conseguia,
era onde trabalhava sozinho. Foi até vigia noturno(vigilante) numa agência
bancária. Lá ficou por muitos anos pois ladrão não entrava.
Uma vez uma quadrilha
especializada em assalto a bancos planejou um assalto na agência onde Zé
trabalhava, passaram meses se preparando, parecia até filme.
Um dia os caras aparecem na
delegacia e se entregaram ao delegado e contaram tudo que pretendiam fazer, mas
desistiram ao saber que o rapaz era vigilante no local.
Só saiu desse emprego quando
entrou um gerente novo e resolveu transferi-lo para o turno do dia, nenhum
cliente entrava mais no banco.
Certa ocasião foi guarda de
trânsito, mas logo demitido porque até os carros se desviavam, cortando caminho
em outras ruas, motos passavam sobre as calçadas e bicicletas entravam na
contramão (se bem que isso acontece de qualquer forma).
Pra que um guarda de
trânsito que mais causa acidentes do que os evita?
De garçom e balconista não
adiantava nem tentar, porque os estabelecimentos ficavam às moscas.
Você deve estar se perguntando
como era a vida amorosa do Zé, não é mesmo?
Que vida amorosa? O cara tem
trinta anos e nunca teve uma mulher, não sabe nem o que é beijar, abraçar...
nem ao menos conversar com uma.
Sua mãe foi a única que o
abraçou e conversou com ele.
Não me pergunte pela irmã, o
cara é filho único.
Dizem que mulher gosta de
cara educado, romântico, que nada, com ele nunca funcionou.
Escreveu um lindo poema pra
sua vizinha quando tinha 16 anos, abria a porta da sala de aula pra ela no
colégio, dizia bom dia, boa tarde, falava que ela era bonita, mas nunca
funcionou.
Ele só conhece a cor da voz
dela, porque ela conversava com outras pessoas.
Aos vinte poucos anos ouviu
falar que elas gostavam de caras bombados, fortes.
Foi para a academia, se bem
que o dono não queria aceita-lo. Só ficou porque ameaçou reclamar de seus
direitos na justiça.
Se bem que ele não ganharia,
com toda certeza.
Não ficou lá muito tempo,
quando percebeu que mesmo com aquele corpo atlético não atraía as garotas.
Comprou carro, moto, mas nem
assim conseguiu a atenção de uma mulher.
Até nas redes sociais não teve
sucesso, parece que sua foto transmitia energias negativas.
Nem tinha WhatsApp, pois ninguém
o adicionava, no Facebook, não tinha amigos, nem amigas, muito menos.
Na verdade nem sei como ele
conseguiu abrir uma conta na internet, pois sempre foi rejeitado.
Certa vez, viu uma
propaganda de uma mulher de borracha num site e resolveu comprar.
Tava meio constrangido com
aquilo, não era o que ele queria, claro.
Queria sim uma namorada, uma
mulher, uma companheira pra viverem juntos e construir uma história.
Mas acredite nem essa mulher
chegou. O carteiro deve ter evitado o contato com ele e o produto voltou pra
São Paulo. Caramba, que vida.
Isso o motivou a mudar de
cidade, mas tudo era igual, ninguém dava atenção pra ele, todos o rejeitavam,
nem emprego conseguiu dessa vez.
Voltou pra sua cidade natal
e era um cara solitário na vida, morava sozinho, estava desempregado, sem
perspectiva nenhuma.
Saiu de casa numa manhã
decidido a não voltar, caminhou horas, atravessou a cidade e foi parar num lago
que não conhecia.
Foi andando pela orla,
pensando no que fazer da vida, cansado que estava daqueles trinta anos de
desprezo, se distraiu, escorregou numa pedra enlodada e caiu dentro daquelas águas.
Você
conhecendo a vida azarada do Zé, deve estar pensando que morreu afogado, ou que
a água era barrenta e poluída.
Nada
disso, o lugar era lindo e tinha uma água tão cristalina que se podia ver o
fundo.
Não!
Não apareceu ninguém pra brigar com ele por ter caído naquele paraíso aquático,
também não veio pessoa alguma a salvá-lo.
Nem sereia de água doce ou Iara.
Azarado
sim, mas não o subestime, sabia nadar, e nadava muito bem, só não virou atleta por
que... Ah! Você já conhece a fama do rapaz.
Nadou
um pouco, admirou aquele lugar e estranhamente se sentiu feliz, como nunca em
sua vida.
Saiu
e resolveu voltar pra cidade e para surpresa de Zé, as pessoas que encontrava
na rua, homens, jovens, crianças, sorriam pra ele. Alguns até o chamavam pelo
verdadeiro nome, Joaldo.
O
mais curioso e impressionante e para seu delírio, as mulheres o beijavam,
muitas até saiam de dentro de casa, ou de onde estivessem para beijá-lo
Até
o trânsito ficou congestionado porque as mulheres paravam seus carros e motos e
pulavam enlouquecidas sobre o moço e o beijavam, teve até as mais atiradas que
lhe tascavam beijos cinematográficos.
A polícia
foi chamada para conter aquela mulherada e dessa vez nada fizeram contra
Joaldo, sim, agora Joaldo.
A
policial desceu do carro, tinha cara de brava, toda fardada, deu tiro pra cima,
espalhou as mulheres e quando viu Joaldo, não se conteve, se atirou sobre ele e
o beijou longamente.
Agora
eu te pergunto, a sorte dele mudou ou era apenas um sonho?