quarta-feira, 14 de abril de 2010

AR COM AROMA DE LAVANDA


Estamos na região norte de Goiás (nessa época ainda não era Tocantins) divisa com Maranhão (se não for, vai perdoando aí), zona rural, próximo a Araguaína.
Aqui começamos nossa história, melhor, a história do menino Raimundo, mais conhecido como “Mundim”, na verdade o apelido retrata bem a vida do garoto.


Mundim mora com seus pais e irmãos em uma chacrinha no “sertão” goiano, diga-se de passagem um lugar muito pobre e extremamente quente.


Seu pai cuida da chácara. Ora cuida dos animais, uns dois a três porquinhos sendo preparados para a ceia de natal, uma vaquinha que reveza na produção de leite com uma cabrinha magricela. Leite esse que serve tanto para alimentar as crianças, bem como na fabricação de queijos para serem vendidos na feira de domingo juntamente com alguns legumes também produzidos por ele para ajudar na renda da família.

Quem também vai pra feira com certeza são os franguinhos caipiras “uai sô” com certeza, ir eles vão, não se sabe é se voltam. Para o bem da família é melhor que fiquem por lá e o dinheirinho da venda venha em forma de alimentos e outros produtos necessários para a sobrevivência e manutenção da casa. Os ovos postos por umas poucas galinhas, quando não são reservados para a produção de frangos são vendidos da mesma forma que os outros produtos.


Fico pensando a situação dessas galinhas, passam em torno de vinte dois dias chocando esses ovos, uma confinação danada, só saem de cima dos ovos pra comer e fazer as necessidades básicas, ansiosas pela chegada de seus filhotinhos.


Que alegria é pra ela quando sente em suas penas a pontadinha dos biquinhos dos pintainhos querendo sair da casca e vir à vida. Dali a pouco eles já estão correndo pelo quintal alegres da vida com sua mamãe, e ela não se cabe em si de tanto orgulho pelos filhinhos seus.


Essa é mãe mesmo, pois consegue cuidar deles sozinha, pois o galo, malandro velho, foi só ela resolver ter filhos, se mandou e agora não quer nem saber dos meninos.
Agora, como eu dizia, deve ser muito difícil pra elas, quando eles crescem, ficam rapazinhos, quero dizer frangos, que são levados embora, e que elas não os verão jamais, uns inclusive vão parar na panela, deve doer seus corações, mas imagina um domingo que a feira foi ruim e não vendeu quase nada e alguns deles voltam, pelo menos por mais uma semana. Acredito que elas ficam a manhã inteira de olhos na estrada e quando por ventura eles voltam seus olhos brilham e a alegria é tamanha. Agora, péssimo é para elas quando alguns voltam da feira e vão parar na panelinha de ferro na trempe do fogão caipira pra ser saboreado no almoço (hum, que delícia. “Peraí” dona galinha não falei nada não, não me bica).
Estava me esquecendo de falar do cavalo, o Pangaré. Ele anda cansado, pois, desde os tempos que o Cevada morreu e o carro de boi foi encostado que ele tem trabalhado e muito puxando a carroça, e haja idas e vindas na cidade.
Ainda tem por lá o Poca Fome que é um perdigueiro meio vira-latas que na verdade é um esfomeado e uma gatinha, a Chinha que vive prenha (Não sei de onde vem tanto gato).
Ele (o pai) cuida também de cultivar a pouca terra e plantar uns legumes e verduras aqui e outros ali, na verdade é uma hortinha.
Em época de pequi ou do caju os filhos mais velhos são escalados para se enfunar no meio da mata (fico pensando aqueles meninos no meio da mata naquele calor da muléstia) e catar o máximo de frutos que puderem, principalmente para a comercialização, mas serve também para consumo próprio.
Enquanto isso, a mãe não fica atrás, é mulher esforçada e dedicada, além de ser mãe amorosa e cuidadosa com os filhos (Quando algum faz uma arte ela logo grita “Menino, vem aqui logo seu teimoso senão te acerto”).
Mundim costuma ficar observando-a trabalhar. Limpando casa, lavando roupa, limpando arroz no pilão e cantando “aquela colcha de retalho que tu me deste...” E o suor lhe correndo pelo rosto, ele fica admirado.
É necessário dizer que próximo à terrinha deles tem um pequeno riacho que é fonte de água pra eles, e nos dias mais quentes a meninada corre pra lá pra se refrescar.
Bom, e o Mundim. Menino pequeno e muito esperto, amante da natureza, costumava sair pelo mato a observar de tudo um pouco, as plantas, os insetos, enfim. Passava horas observando as formigas, várias eram as espécies, mas as saúvas eram as preferidas, vermelhas e cabeçudas, andando de um lado para o outro carregando umas folhinhas e uns gravetinhos. É certo que às vezes umas vinham de carona sobre a folha da outra e ele pensava “como são fortes essas formigas”.
Ele ficava encucado é porque elas trabalhavam tanto e debaixo de um sol tão quente e não se cansavam e nem suavam. Chegou até a pegar uma na mão pra ver de perto se estava escorrendo suor (se por acaso as formigas suarem, favor desconsiderar, hehe).
Apesar de sua admiração pelas formigas, as abelhas eram suas preferidas e ele conhecia quase todas as espécies da região: Trigona, Megachile, Centris, Augochloropsis, Coelioxys, Paratetrapedia, Xylocopa (hein?)...
O tempo foi passando e a vidinha da família de Mundim seguia normalmente até que um certo dia deflagrou-se uma grande seca na região devido a escassez de chuva. Tão forte foi que o riacho se secou e com o passar do tempo em virtude do forte calor a própria vegetação do local foi ficando debilitada.


A princípio pensou-se em furar poços para abastecer a casa de água, mas foi em vão pois o terreno não era propício, seria necessário furar bem fundo e com maquinário adequado e a família não dispunha de recursos para tal, e a solução foi mesmo vender a propriedade e se mudar para a cidade.
Cansado de ver os pais e toda família passar por esse sofrimento, Mundim alimentava um sonho. Na verdade ele sempre foi muito sonhador, e quando caminhava pelas ruas de Araguaína, ora indo pra escola, ora vendendo picolé, ou engraxando sapatos e sempre debaixo daquele sol causticante e forte calor (vale lembrar que ele mesmo chupava uns dois ou três picolés por dia), sonhava em ir para a capital (na época Goiânia) para estudar, se formar e tirar os pais daquela vida sofrida na qual viviam.
Como diz o ditado: “Quem sonha sempre alcança”, um dia o sonho começou a se tornar realidade, quando chegou aos seus dezoito anos e já com o ginasial completo, Mundim com autorização dos pais se mudou pra Goiânia no intuído de fazer uma faculdade e todo mundo na cidade dizia: “Mundim vai virar dotô” e de fato era o que queria.
Foi embora, ficou longe da família, aos poucos alguns irmãos seus também migraram para a cidade grande. Conversava com a mãe por telefone quando conseguia um dinheirinho a mais, pois todos os recursos ganhos com os bicos que fazia eram voltados para financiar seu curso.

Não foi fácil tudo isso, ficar longe dos pais e irmãos, morar em repúblicas, andar de coletivo (sempre lotado), não ter trabalho fixo. Mas o que lhe dava forças era lembrar do sofrimento dos anos de seca e do calor enorme que causou tanto prejuízo para todos eles.
Quando se formou, devido a alguns estágios que já vinha fazendo foi convidado por uma grande empresa para trabalhar como diretor o que lhe conferiu o direito de uma sala particular no prédio sede da mesma.
No dia da posse, era costume do presidente conceder ao contratado para cargo de direção um pedido especial e para Mundim não foi diferente, quando estava toda diretoria reunida, foi-lhe feita pelo mandatário maior (se assim podemos dizer) a seguinte pergunta:
— Raimundo, como você já foi informado, costumo conceder aos meus novos diretores um pedido, então, o que você deseja que seja acrescentado em sua sala?
(Parece que já havia planejado tudo na noite passada, verdade é que nem dormiu, visto que um filme de sua vida havia lhe passado pela mente. Sorria ao lembrar dos bons, maravilhosos momentos vividos junto de sua família naquele sitiozinho, mas sofria com a lembrança do sofrimento causado pela seca. Ali resolveu qual seria seu pedido na manhã seguinte.)
Sem titubear, disse:
— Quero um ar condicionado totalmente sem ruído, temperatura brisa com aroma de lavanda.

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