segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

A MENINA ATAREFADA


Esta é a história da menina atarefada. Ela, a menina, desde criancinha sempre vivia atarefada com alguma coisa. Sempre cheia de energia nunca foi de ficar parada, exceto quanto seus pensamentos, sua imaginação entrava em ação.
Morava em uma cidade do interior, histórica por sinal, de ruas tortuosas, morros e vielas.

Certo dia ela estava brincando de bonecas e achou que estava sem graça a brincadeira, sem ação, sem adrenalina. Olhou para o canto de seu quarto e próximo à janela estava aquele velho par de patins de rodinhas que sua mãe já a havia proibido de usar desde sua última investida com o tal. Nem te conto o que ela causou por não saber se controlar sobre aquelas rodinhas. 

Bom, o pior, é que naquele instante, olhando para os patins foi como se acendesse uma luz sobre sua cabecinha futuramente ruiva, depois te conto. Levantou-se, largou as bonecas e foi aos patins, já maquinando o que faria. Calçou os patins, pulou a janela e já foi caindo na calçada sem ter tempo de segurar em alguma coisa. Como a rua de sua casa é numa ladeira os patins dispararam numa velocidade incontrolável, ainda mais para ela que nunca se deu bem com eles. 

Esbarrou num vendedor de bolo de arroz que passava esparramando a guloseima pra todo lado. Um ciclista que inventara de pedalar sobre a calçada foi lançado de quatro no meio da rua. Esqueci de dizer que mais abaixo na mesma rua tinha um hospital e quando ela se aproximava um acidentado estava sendo retirado da ambulância e colocado na maca. O doente estava consciente e quando deitava-se na maca olhou e viu aquela menininha descendo como foguete em sua direção e foi o tempo do enfermeiro empurrar a maca e ela passar, meio que descontrolada passou pela rua e foi parar na ponte sobre o rio da cidade. 

Não fosse a alça do suspensório da jardineira que ela usava, teria despencado lá de cima nas “límpidas” águas daquele rio. O resto da dessa história, nem te conto. Não há tempo para isso, visto que me lembrei de quando ela, a menina atarefada estava assistindo televisão e viu uma mulher de cabelo vermelho em um desenho, ou será que era o Pica-pau? Bom, não importa. O que importa é que ela a partir de então resolveu que queria mudar a cor de seus cacheados cabelos. Não sabia como faze-lo e passava seus dias pensando nisso. 

Um dia quando todo mundo tinha saído, ela reparou no vidro de groselha no armário da cozinha, vermelho, vermelho. Você já sabe o que ela fez, pelo menos imagina? Besuntou seus cabelos de groselha e nada de ficar vermelho. O que ela conseguiu foi ser perseguida por todos os mosquitos da região. Outra vez experimentou extrato de tomate e os mosquitos voltaram. Um dia pegou um vidro de xadrez vermelho que era usado pela mãe pra passar no piso da casa. Colocou os óculos escuros de sua tia e começou a passar o produto no cabelo com a escova de barbear de seu pai. Ai, ai, ai, quando a mãe dela descobriu essa arte, hum. 

Foi preciso lavar os cabelos muitas vezes com xampu e condicionador. E seus cabelos continuavam castanhos.
Bom, o tempo passou e a menina ficou cada vez mais atarefada. Atualmente ela já de cabelos vermelhos, pois descobriu que bastava procurar uma boa cabeleireira pra fazer a transformação. Quando se olhou no espelho e viu suas mechas abriu um grande e lindo sorriso. Era como se dissesse: “Yes!”
Seu espírito era mesmo de ruiva.

Agora, crescidinha ela tinha tarefas a executar em casa. Todos os dias era aquela história de bater a poeira dos móveis, arrumar as camas, varrer cômodo por cômodo, recolher o lixo, passar pano e muitas vezes era necessário encerar. Sem contar lavar os quatro banheiros, lavar as vasilhas do jantar e ainda preparar o almoço. Duas vezes por semana tinha que lavar e passar as roupas da casa.

A menina atarefada andava meio cansada dessa rotina e então um dia conversando com uma amiga descobriu que existia um tal de computador e uma tal de internet. Ainda mais, sua amiga lhe disse que na internet ela encontrava de tudo. Enquanto sua amiga falava sua imaginação, fértil que era começou a pensar na possibilidade de encontrar um meio de fazer um clone seu pra fazer suas obrigações diárias enquanto ela ficava a toa de pernas pro ar. Quando tudo estava arrumadinho, sua amiga tasca-lhe um beliscão e diz: “Acorda menina. Me deixando aqui falando sozinha enquanto você pela ‘quinquionésima’ vez viaja em suas histórias”.

Bom, apesar de sua amiga ter saído chateada, ela nem se importou, correu até uma loja de informática e comprou um computador e encomendou a instalação de internet, banda larga claro, pois ela era muito espaçosa, ihhhhh!
Bom, a intenção era de descobrir um meio de cuidar de suas tarefas caseiras sem ter que mover uma palha.

Assim que tudo estava instalado em sua casa, sua vida virtual começou. A questão é que logo descobriu um tal de msn e foi adicionando contatos e mais contatos que quase não tinha tempo pra mais nada a não ser conversar no msn. Ela gosta tanto de vermelho que ao invés de uma foto sua no perfil do messenger, colocou uma foto do pôr-do-sol, bem vermelho.

Um dia, em suas pesquisas, apareceu a foto de um homem na lua e então ela começou a imaginar-se andando sobre nosso satélite natural. Onde ela na verdade passava a maior parte de seu tempo, no mundo da lua. Além de encontrar o astronauta americano e perguntar a ele porque a bandeira dos Estados Unidos e não a do Brasil ele estava fincando em solo lunar. Encontrou também São Jorge e perguntou pra ele como ela poderia se livrar de suas tarefas diárias, e quando ele ia responder, ela ouviu o sonsinho do msn chamando. 

Era um contato seu, um tal de menino momentaneamente parado, é que o cara estava desempregado. Em sua conversa com ele, digitava uma frase, corria dava uma varridinha no quarto, digitava outra frase até que veio a idéia de arrumar um robô pra fazer seu serviço. Ela mesmo se lembrou do desenho dos Jetsons, onde eles tinham uma robô doméstica que cuidava das tarefas da casa e ainda não recebia salários pra isso. Surgiu então a idéia de seqüestrar Rosie, a robô do Jetsons, mas não seria fácil, pois o cão Astor estava sempre atento vigiando a casa.

Era hora de colocar a cabeça em ação pra bolar um plano que fosse perfeito. O grande problema é que ela vivia num mundo quase real e a robô era um mero desenho animado. Além do mais suas tarefas não eram virtuais e estavam lá pra serem executadas todos os dias.

Ficou imaginando a poeira, o lixo e toda sujeira da casa se acumulando e então resolveu que o seqüestro teria que acontecer o mais rápido possível.
Como essas coisas não podem ser feitas sozinha, pois tem sempre que ter um cúmplice, então chamou o menino momentaneamente parado pra lhe ajudar.

Sabia ela que a melhor maneira de bolar um plano era dormindo. Lembrou-se que sempre quando fazia suas maiores estripulias havia sonhado com alguma coisa na noite anterior. Uma vez fez até uma viagem para a Amazônia e só não foi executada por uma tribo indígena porque sua mãe a acordou pra ir pra escola. Ufa! Que alivio. Como já era noite, foi dormir. A ansiedade era tanta que nem desligou o pc, não escovou os dentes, nem mesmo deu comida pro papagaio (dormiu com fome o coitadinho). 

Não conseguia pegar no sono, pois ficava pensando na Rosie limpando sua casa todos os dias e sorria sozinha iluminada pela luz do abajur cor de rosa em sua cabeceira. Bem que ela queria um vermelho, mas sua mãe não gostou nem um pouquinho da idéia. Será porque, ah, deixa pra lá.
Dormiu, e dessa vez a menina atarefada nem parecia ela mesma. Estava quietinha na cama, nem mesmo as muriçocas a atormentava. Se fosse numa noite normal, teria rolado, remexido, batido nos pernilongos.

Mas aquela noite era especial. Enfim, sonhou.
Ela e seu comparsa estavam vestidos de palhaços com cabeleiras vermelhas, macacões azuis e voavam dentro de uma canoa, foram parar no espaço e viram muitas e muitas estrelas passarem, sobrevoaram cidades, cruzaram com banheiras, cadeiras, panelas, vassouras e tanquinhos voadores, coisa mais estranha. Tinha até um papagaio que mais parecia uma arara vermelha pedindo comida o tempo todo. O som da canoa voadora deles era um misto de ronco com o zoado de muriçocas. Tinha até um sol vermelho no cenário que se montava no decorrer do sonho. Barulho de msn, e sons variados, normais de computadores tilintavam pelos ares.
 
Em determinado momento eles chegaram numa cidade onde as casas mais pareciam aqueles porta bolos de confeitaria, redondas com uma tampa transparente. Quando viram estavam próximos da casa dos Jetsons e Rosie estava em sua cama dormindo. Uai, robôs dormem. Bom, nessa história aqui sim. Estacionaram a canoa foguete sobre o telhado de uma casa ao lado e amarraram a boca do papagaio com fita adesiva, vermelha, pois o famigerado não cessava de pedir comida. “Curupaco, loro, quero comida. Curupaco-papaco, quero comida, loro.” Era melhor que ele falasse “quero comida, ruiva”.
 
Cada um tinha um ventilador de teto preso em suas roupas ligado a um gancho, como se fossem chapéus.
Ela, levava em suas mãos um pacote de sorvete de cereja pra alimentar Astor que já estava atendo quase latindo. No momento que eles adentraram a área da casa ele abriu a boca pra latir e ela enfiou todo aquele sorvete goela abaixo do cãozinho que se calou imediatamente.
 
Já no quarto da robô, eles pegaram um saco de linhagem, sempre vermelho pra coloca-la. E o fizeram com tanta facilidade, que só em sonho. Na verdade, a menina atarefada disse pra Rosie se levantar e entrar no saco e foi isso. A menina estava irradiante com tudo isso. Estava conseguindo executar seu plano de forma irrepreensível. Podia-se notar uma alegria enorme em seu semblante. Em seus pensamentos ela dizia: “Oba, não vou mais ter que fazer todas aquelas tarefas caseiras, agora tenho uma robô domestica, viva, viva. Sou mesmo uma ruivinha de verdade.”
 
Agora, diferente da facilidade pra colocar Rosie no saco, foi a dificuldade para os dois carregarem-na até a canoa. Uma coisa é certa, não faziam nenhum ruído ou então a família Jetsons tinha o sono pesado.

Tudo bem, apesar de ter que carregar a pesada robô, num instante estavam sobre a canoa, ela, a menina atarefada, contentíssima. Ela que muitas vezes questionava essa questão de felicidade. Agora sim, se sentia feliz. Na verdade nunca esteve tão feliz.
Naquele instante soava estridentemente uma sirene, o som era altíssimo...
Foi quando ela acordou. Era seu celular que tocava. Chamada do SAMU, avisando que seu plantão havia sido alterado.


Essa é uma obra de ficção e qualquer semelhança com a vida real não terá sido mera coincidência.

FIM

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